Thursday 2 July 2009

Excerto de um texto que estou a construir

Pessoa 1

Atravessava ruas largas, feitas de alcatrão escuro, sobre uma suave chuva num dia de Domingo. Apertei o casaco enquanto passeava fascinado a olhar para todos os edifícios. Nada fazia-me distrair do encatamento em que me encontrava. A minha cabeça tinha-se tornado num radar. Atravessava a rua frequentemente para avistar os prédios do lado oposto. Tinha que me afastar para eu puder contemplar tamanha grandeza.

Os edifícios com cerca de 6 andares de altura, datados da reconstrução após a II Guerra Mundial, conseguiam encantar-me e fazer-me esquecer toda a tristeza que deve ter existido durante essa época. O espírito da morte que rondou esta cidade e que desesperou muita gente, trazendo muitos corpos até si, estava agora disfarçado pelas várias fachadas ornamentadas por um riqueza e espírito delicado. Não sei se esse trauma passou para as gerações vindouras, mas espero bem que sim.

O sinal de peões fechou. Parei. Este sinal é bastante fora do comum para mim, contém o desenho de uma bicicleta e de um peão. Todos pararam, excepto os jovens, que com um desprendimento natural não perdem tempo a esperar e habituaram-se a quebrar as regras quando querem. A nova geração devia ter mais respeito pela história e compreenderem como vivem numa cidade bastante bonita e pacífica, cujo o novo produto foi feito à custa de enormes sacrifícios feitos por heróis.

A palavra herói cada vez mais tem menos poder nas sociedades modernas. Isto também é um sinal que os nossos antepassados fizeram um bom trabalho e tudo o que esta cidade é hoje, é graças a eles. A luta que sempre combateram sem medo, as conquistas que realizaram, o caminho do homem que percorreram termina neste lugar. Esta cidade é um bom exemplo.

Após este tempo todo, perdi a conta quantas vezes o sinal dos peões já deve ter aberto. Mas não faz mal, porque o verde aparece à minha frente outra vez.

À medida que ando, avisto uma ponte. Dirijo-me até lá. A chuva aumenta de intensidade, mas nada detém o meu espírito de descoberta.

A ponte, com uma largura de 4 faixas de rodagem, cobre um rio enraivecido. A chuva aumentou o caudal de forma incrível. A corrente conta uma história furiosa através do vento que sopra. A fonte de energia que de ali advém através de um ruído gutural é incrível. Isto é maravilhoso. Páro sobre a ponte para sentir toda a força da natureza. O espírito pesado que já venho trazendo ao longo de bastante tempo é levado pela corrente de repente. Em um segundo, visto um novo espírito, bastante mais colorido.

Desço a ponte, até um caminho que acompanha o rio e começo a andar sem destino. As flores densas, as árvores, toda a vegetação vibra por causa do rio. Esta força enorme, cobre os troncos das árvores. Só apenas ás árvores mais fortes conseguem aguentar tanta energia.

Colorido num verde militar, o rio ruge cada vez mais à medida que a chuva aumenta. Encontro-me encharcado, mas nada disto me interessa, porque nada me pode demover daqui. Muito raro será ás vezes que poderei ver tamanho espectáculo. Sinto-me realmente abençoado. Por isso, decidi sentar-me. Colocado a uma distância do caudal para não ser levado, contemplo-o. Nem me atrevo a pôr uma mão dentro de água, porque facilmente a corrente engolia-me.


Pessoa 2

Já perdi o conto dos anos em que saí de casa. Com uma mochila às costas, de barba feita e um par de ténis calçado parti sem rumo. Parti à procura de Deus. O tempo passou e todo o meu corpo mudou. O cabelo cresceu, desalinhou-se por causa dos meus cortes feitos com uma pedra afiada. A barba tornou-se pálida e agora, de uma forma forte, cai estaticamente pela minha cara. A roupa está cada vez mais amarela, rasgada pelo tempo, os pés cada vez mais de fora. A fita cola que pus para segurar a sola do sapato está gasta pelos meus passos.

Se acham que me sinto mais próximo Deus após estes anos, estão enganados. Cada vez mais sinto raiva por Deus ter-me abandonado. Cada dia que passa, engano-me para disfarçar este esforço sobre-humano que tenho estado a viver para sobreviver no frio, na chuva e nas ruas. Hoje é mais um dia de chuva.

Já me habituei a andar molhado. Uma coisa que pude ver pela minha própria pessoa, é que tudo neste mundo tem um truque. O tempo não é excepção. Já existiram dias em que a chuva de repente transforma-se num sol quente, secando-me num instante. A zona interior de Espanha tem um tempo muito inconstante. Recordo-me que um dia, caminhava pelos grandes campos de Espanha, com lama a cobrir-me o corpo todo - cara, mãos, pernas, quando numa reviravolta, um sol intenso soltou-se e instalou-se para o resto do dia. O meu corpo começou a secar, e a lama começou a secar e a estalar. Eu sentia-a a apertar-me cada vez mais. Fui raspando-a com a minha mão, mas ela estava entranhada no meu corpo. Quanto mais lama secava, mais a comichão instalava-se em mim. Irritava-me cada vez mais, coçava-me cada vez mais e mas não conseguia livrar-me. Parecia que estava a ser comido, tal como um cadáver em decomposição.

Por sorte, encontrei um pequeno lago no meio de um campo agrícola qualquer. Fui a correr até lá, pus-me nú e saltei lá para dentro. Como um animal contente, esfregava-me com violência e rapidez para soltar toda aquela excremência que se tinha colado a mim. Após estar completamente limpo, resolvi deitar-me sobre as ervas para secar-me, enquanto ia apreciando o céu que há duas horas atrás estava carregado de nuvens cinzentas, mas agora, um azul límpido inunda todo o horizonte. Após meia hora nú, achei melhor ir-me embora, pois podia aparecer o dono do terreno e tenho a certeza qe não ia gostar de me ver naquela figura. Provavelmente, traria uma espingarda consigo e não hesitaria e disparar contra mim. Vesti-me e continuei a minha caminhada por uma estrada local qualquer.

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