Tuesday 1 September 2009

O senhorio

Há muito tempo que estou enjoado do cheiro desta latrina. Já reclamei com o senhorio, apontando para o bolor que cresce nas ranhuras entre os azulejos e o cheiro a mofo vindo das paredes devido às inundações do vizinho de cima. O senhorio afirma que isto não é caso para fazer obras. Eu replico para baixar a renda, mas nem o vapor que enche a casa-de-banho quando tomo banho é o suficiente para que D. Sebastião possa ajudar-me a tentar convencê-lo. Esta casa parece conquistada por fantasmas que cheiram a um passado decomposto. Esta toca metida no prédio de um rua escura onde a falta de iluminação dá guarida aos sem-abrigos e ladrões que escondem por detrás do silêncio.

Encostado à porta da rua, por detrás dos cartões, dois olhos maus e fixos de um vagabundo desconcertado vigiam quem entra e quem sai do prédio, e ao mesmo tempo atemoriza a quem lhe põe os olhos. A segurança física das pessoas é nula, parecendo esta rua um edifício de uma prisão extremamente volátil e violenta.

A escada que sobe os andares, gasta do tempo, está à espera de incautos que se apoiem no sítio errado, comendo-lhes imediatamente as pernas até à coxa. Acompanhando a escada, estão estas janelas empoladas comidas pelo bicho da madeira. Tenho a certeza que muitos destes seres conseguem ser mais velhos do que eu. Olhando para a rua da janela da sala, num olhar de cima para baixo, por debaixo de um anúncio da Virgem Maria, encontram-se os traficantes prontos a atenderem qualquer pedido das almas perdidas e viciadas por droga. Apenas vislumbro-lhes as pernas por causa da luz da lua. O corpo esconde-se por detrás de um casaco, onde eles guardam tantos produtos que até muito deles desconheço. Para além das drogas comuns, eles também vendem frasco de benzina e analgésicos. Vendem tudo, até a morte para quem lhes compra.

Após tudo isto, o estupor do senhorio ainda afirma que não consegue baixar a renda. Se calhar as correntes de ouro que traz ao peito estejam a bloquear o sangue até à cabeça e muito dos neurónios que ele certamente desconhece, morreram por causa dos enfeites saloios.

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