Thursday 30 July 2009

Açores

Nos Açores,
na terra das flores,
onde nascem amores
e acabam-se por se casar.

Na lagoa das sete cidades,
mira-se o mar na enseada,
a felicidade encontra-se
no cheiro da terra molhada.

Ler

Ler devia ser proibido,
porque faz sofrer.
Ler dá felicidade,
vê-se o que não se pode ter.
Ler é como fechar-se no Inverno,
onde a chuva bate nas janelas,
onde se abriga num quarto quente,
em pleno mês de Agosto.

Incompatibilidade

Por cada vez que te vejo, escorreita,
passas por mim como desconhecida,
eu sei que não foste feita para mim,
adágio para mim, a nossa alma não se liga.

O barro não consegue ser moldado,
a incompatibilidade é substituído por algo estranho,
algo indescritível, salgado como o mar,
como um meio a que não pertenço.

Não posso viver na água se sou da terra,
não posso ser terrestre se pertenço ao mar,
não vale a pena desejar o que não te merece,
nesta vida não nos iremos encontrar.

À espera da minha mulher

Por detrás do meu filho, neste retrato preto e branco da minha antiga família, vejo como o cinzento abraçou-me de repente. Naquele dia nojento, onde não encontro outras palavras para descrevê-lo. Naquela merdosa e asquerosa tarde que muitas lágrimas me trazem, em que esperava pela minha mulher e pelo meu filho de braços abertos. Estava à espera que a felicidade chegasse até mim, tal como um céu azul infinito, esperei horas pacientemente. Sentei-me na calçada para não me cansar, contava todos os automóveis que passavam por mim. Um vermelho, um azul, outro branco. Todas as cores e marcas passavam por mim como estrelas cadentes mas nenhuma delas pertenciam ao meu universo. Olhava para as silhuetas dos condutores. Umas mais parecidas com a minha mulher, outras nem por isso. Nestes momentos em que a ansiedade e a saudade estão cada vez mais excitadas, o engano leva-me a acenar para a pessoa errada. Mas eu não me importava com isso, porque as pessoas sabiam que não era com elas e continuavam a sua vida.

As nuvens passavam juntamente com as horas. A partir do momento que os minutos vão mais para além do combinado, o medo pela incerteza começa a dominar-me vagarosamente. Já cerca de uma hora tinha passado para além do combinado e resolvi telefonar-lhe. De todas as tentativas que fazia, quem me atendia era o gravador. O telemóvel continuava desligado. Comecei a ter medo por pensar se estava tudo bem com a minha mulher e com o meu filho. O que será que lhes aconteceu? Será que morreram? Ó meu Deus, o que me está a acontecer? Neste momento um frio começou a preencher-me o corpo e um arrepio acordou os meus sentidos, fazendo com que eu sentisse com cada vez mais força os segundos a passarem. Por cada salto dos ponteiros, um breu começou a preencher-me os olhos.

O que se passa nesta tarde, em que tudo está a correr tão bem, em que me sentia inserido na sociedade? Comecei a sentir que estava a cair num abismo onde só parava num beco metido nas profundezas desta terra, frio, molhado e completamente desligado das pessoas. Temi pela minha vida, pela incerteza do futuro e a certeza de que ia morrer mais cedo.

Neste momento ouço uma buzinadela. Para meu conforto, a mão da minha mulher começou a acenar. O carro parou à minha frente, dentro de um parque de estacionamento lateral à estrada. Lá estava o meu filho a sorrir para mim de forma tão inocente na cadeira de bébés. Respirei fundo e senti que ainda não era desta vez que tinha sido atraiçoado por Deus.

Wednesday 29 July 2009

Feridas

São anjos desleais,
que gozam das frontes,
sopram vendavais.

São uns grandes animais,
prometem demais,
p'ra que nunca mais...

possas olhar.

São chagas imortais,
desgostos mágicos,
são cheiros mortais.

Rosas nos quintais,
espinhos nas mãos,
p'ra que nunca mais...

possam sarar.

Coisas intemporais,
tempestades eternas,
dilúvios brutais.

Auras bestiais,
que cegam os demais,
pr'a que nunca mais...

possas amar.

Monday 27 July 2009

Buraco no alcatrão

Neste buraco escuro e oblongo,
existente no meio da estrada,
de pedrinhas de alcatrão soltas,
onde se espera que te leve a algum lado.

Várias feridas crias nos teus braços,
numa atitude de descoberta desbravas,
não reclamas, nem sabes o que te faz
todas estas cicatrizes que te marcam.

Eu sou mais do que aquilo que tu vês,
aparento ser aquilo que não queria,
mas o contrário cria-se muitas vezes
quando o que quero é a tua companhia.

Esta não é a forma do meu coração,
estas marcas não são da minha cara,
quem me conhece melhor é o meu cão,
porque vê para além desta máscara.

Ele consegue descobrir o caminho,
daqueles que se perdem e vivem apavorados,
porque ele conhece muitos lugares,
sem se quer alguma vez ter lá estado.

Sunday 19 July 2009

Manhã

Enquanto a luz pinta as paredes,
o sol caminha para o pináculo,
na praça juntam-se os mercantes,
o dia caminha para o ponto mais alto.

As notas do acordeão passeiam pelas arcadas,
enquanto montam-se as mesas dos feirantes,
as pedras negras da calçada
formam montes que pisam os amantes.

As esplanadas despontadas nas subidas,
os matutinos escondidos atrás do jornal,
as pernas que conquistam as ladeiras,
descansam apoiadas na refeição matinal.

O cheiro a croissants e cafés sobre a mesa,
atravessam o nariz deixando rasto,
as roupas frescas que as senhoras vestem,
perfumam as ruas em saltos altos.

O padre ora para o resto dos crentes
que se refrescam dentro da igreja,
o jardineiro corta rente,
qualquer réstea de falsa fé que se veja.

Pendura-se as roupas molhadas
em molas de madeira viradas para a praça,
sacode-se os lençóis da noite passada,
abre-se as janelas e expulsa-se a traça.

O repique do sino no alto do castelo
ecoa por entre o chilrear dos passarinhos,
o momento oficial consagrado no dia,
marca a paz da calma manhã de domingo.

Thursday 16 July 2009

A separação

Eu não quero que a tristeza nos encha de ódio,
e que a escuridão conquiste o nosso ser,
e que em desespero rodopiaremos para fora do óbvio,
e a vida passe a acontecer no lado negro.

Eu não te quero ver a andar em calçadas
frequentadas por sentimentos nojentos,
porque mesmo que em nós nada faça sentido,
eu ajudar-te-ei a encontrar o teu tempo.

Mas que isto não te sirva como desculpa
para que possas estar sempre comigo,
a minha fronteira termina e sempre terminará,
no respeito que terei sempre contigo.

E amanhã encontrarás um outro homem,
e eu encontrarei uma outra mulher,
porque prometemos ser jovens de coração para sempre,
e amanhã comemoraremos a felicidade outra vez.

Porque a simplicidade em nosso ser
olhará para este tempo como recordações,
e todos os momentos foram aprendizagens,
para conseguirmos controlar as nossas emoções.

O nosso amor

Da minha lupa desenharei o teu coração,
com lentes vermelhas ele arderá em fogo,
por cada beijo que darei na tua bochecha,
encherás cada vez mais os meus sonhos.

Todos os beijos que daremos no vidro,
tu estarás dentro de casa e eu na varanda,
e quando eu abrir os braços e gritar para o universo,
o meu peito mostrar-se-á à pessoa que me ama.

Deitados sobre a cama e tapados por um lençol,
abraçados à noite como duas crianças em pijama,
todas as lágrimas que me cairem por estar só,
é porque não consegui envelhecer ao lado de quem me ama.

E se os trapos da luz da lua não me iluminarem mais,
e todos os bancos de jardins tornarem-se ausentes,
e a fidelidade a toda a honestidade eclipsar,
é porque Deus não quis que o nosso amor acontecesse.

Uma luz quente

Uma luz quente ilumina o muro de barro,
uma luz quente ilumina o chorão verde
uma luz quente ilumina a tua cara,
uma luz quente acende-se à tua frente.

Um luz amarela abre os teus olhos,
a tua íris aumenta até não mais puder,
uma luz amarela encadeia os mirones,
uma luz amarela sob a noite quente.

Mãos latejadas em suores frios,
cabelos molhados escorridos sobre a cabeça,
por cima da luz em posição de soldado,
uma luz quente eleva-te até às estrelas.

Porque ontem será igual ao amanhã,
tal como a luz, estarás presente,
tal como a luz, não desaparecerás,
porque tu és a minha luz quente.

Dança da explosão

Este leite que sabe a pickles,
amargo pela minha dentada leve,
a carica que tirei com os dentes,
e deixei-o azedar poisado sobre a pedra.

Porque decidi dançar na cozinha,
onde o som reflecte melhor no mosaico,
deixei a frigideira cair de repente,
espalhando-se como um grito laico.

Atiro os pratos com coragem para o chão,
porque ninguém me tira do corpo a arrítmia,
como se todos os planetas tivessem incluídos na explosão,
por se ter cortado o contínuo e obtido a desarmonia.

Sunday 12 July 2009

Num só momento...

Entram de repente homens de máscaras brancas,
enquanto descansas finalmente quase perfeita,
feitiços de mãos sobre três lâmpadas brancas,
não te fazem esquecer o que viste à espreita.

Quem tu querias encontrava-se no cenário errado,
fizeste as malas, saíste sem qualquer arrependimento,
onde tu devias estar, o lugar tinha-se trocado,
de braço esticado, saíste, viras as costas ao vento.

Sobre a mesa um livro, copo, café e mentol,
com tanto afinco afirmas para não te desconcentrares,
decalcas a história que queres contar num postal,
para alguém que te conhece e quem só tu sabes.

Dobras-te sobre a mesa, de sobrancelhas aprumadas,
de caneta afiada a tua mão não pára quieta,
numa desgarrada de palavras de ódio ao amor,
nada fica para trás porque não suportas fins abertos.

Todos os raios juntaram-se para te dar a força
do universo para além do que possas escrever,
donde estou, nada diria que paraste aqui p'ra dizer
algo tão forte e duro, que te obrigue a mover.

Com as malas de viagem à frente dos joelhos,
corajosa, arrumas o cabelo, agarras os teus pertences,
aprumas-te, partes para a continuação da tua jornada,
para antes passares num correio e depois embarcares.

É o fim, ou o princípio?
Ninguém sabe.
Estarás cá para ver.

Despedida

Ao tecido quadrangular de Mondrian,
que veste as cadeiras de pau delicado,
puxa-se o mecanismo que se solta amanhã,
de ferro dobrado pintado de encarnado.

Edifício de base amarela, barro velho,
pátina verde que cobre o tempo passado,
passando a fronteira, irrompendo o telho,
todo o objecto é belo quando está parado.

Par de bicos de galinhas picam o chão,
num quadro enormemente pintado de branco,
num cenário cinzento sob o azul de Verão,
atrasa o tempo ecuménico, mas tanto, tanto.

Mas há quem encontre beleza entretanto,
de olho desperto e centrado num quem,
dos desencontros gerados pelo vento,
de quem está sentado à espera de alguém.

Saturday 11 July 2009

Da europa ao mundo inteiro - nada escapou,
por todas as igrejas que passava, entrei,
das portas magnânimas às mais pequenas que Ele forjou,
deixei parte do meu corpo nas palavras que orei.

Pedi à agua, às vacas, à natureza,
ao mundo que faz parte do meu ser,
já que não encontro melhor beleza,
àquela que dos teus olhos possa transparecer.

Proferi o teu nome para Ele não se esquecer,
nas velas que acendo à noite para Ele ver,
e perceber o quanto injusto está a ser,
pelo ar ser um obstáculo duro de vencer.

Desejo que as palavras abram um canal,
para que da minha mente chegue ao teu coração,
e para Ele perceber que amar é normal,
e não ter só sonhos de papel dentro do coração.

Friday 10 July 2009

Amor de cão

A tua imaginação será o teu fim,
quanto mais livre procuras ser,
mais preso ao vício ficarás.

Quanto mais amor procuras,
maior será a tua prisão,
mais sózinha te sentirás.

Quando o tempo quiser passar,
quando o mundo te abandonar,
perderás a vontade de sorrir.

Quando quem mais amas morrer
por estares a olhar para o lado errado,
um buraco negro poisará em ti.

Quando abandonares o teu companheiro
porque as quatro paredes não param de gritar,
serás obrigada a começar de novo.

Ninguém se importa se alguém te põe louca
e não podes fazer nada por isso,
terás sempre que cumprir os teus compromissos.

Vives no presente,
não no pretérito prefeito,
mas há algo que te apertará sempre o peito.

Tu és a única que te podes perdoar,
benção dada pela tua própria mão
para levantares os colarinhos e gritar:

Avançar!

Num coreto, num verão quente

Num coreto coberto de rosas,
salteados em branco e vermelhos,
ladeado por colunas jónicas,
assentado em terra vermelha.

Seis cordas soltam-se ao acaso,
acaso controlado pelos dedos
de um guitarrista bem dotado,
que controla bem os movimentos.

Em alternância sentados,
à volta de um ponto único,
num cenário romântico formado,
os ouvidos abrem-se ao músico.

De olhares bem atentos,
com as velas a arderem no chão,
os grilos de uma noite quente,
aumentam o poder da ocasião.

A análise advém do lado,
da concentração não vejo,
o silêncio que gera perguntas,
a respostas que não pretendo.

Porque estamos aqui pela música,
pelo silêncio que me obrigo,
por dar voz aos dedos de outro,
por seis tons milímetros.

Wednesday 8 July 2009

À noite

A noite escurece,
as árvores grilam,
o vento morre,
a lua floresce.
As ideias surgem,
as estrelas brilham,
as barreiras morrem,
a palavra profere-se.
Os olhos trocam-se,
os lábios sibilam,
o copo tapa,
o que está descoberto.
A liberdade aparece
numa noite vazia,
tudo se junta,
por um riso dito.
A tua sombra chama-me,
apaixono-me por ela,
é um caminho livre,
sem qualquer sentinela.
Os olhos gotejam,
os degraus levam-nos
junto ao infinito,
onde as nuvens vivem,
as estrelas existem,
o mundo melhora,
a paz se mostra
sem qualquer medo,
e tudo brilha
até à eternidade,
tal como o sol.
Não há sorte que dite,
ou que lance barreiras,
dentro de um homem
nunca há fronteiras.
Pelo futuro encontro,
pela virilidade que sobe,
pelo orgulho de quem luta,
por uma causa nobre.

Tuesday 7 July 2009

Montanhas

Num emaranhado de pernas,
que me fixas para não me perderes,
que me cunhas para decorar,
como se eu quisesse não te ver.
O caminho que nos trouxe aqui,
nos túneis escuros por que passámos,
onde abres um sorriso quando me vês,
nos intervalos de luz aos bocados,
tens medo que me vá embora de vez.

Não me faças rir, não te enganes,
eu quero estar próximo de ti a toda a hora,
como um riacho a cair por entre as pedras,
pronto para te descobrir,
quero ser a água, o cavalo-marinho,
ser a flôr, ser o beija-flôr,
ser todo o espaço limitado em ti,
segurar as estrelas em carrosel,
prontas para iluminar o teu mel.

Bates-me no peito para marcar o ritmo,
o teu ritmo, os teus passos, a tua batida,
a alegria, a vida em ti, como cervos na montanha
a passearem por vales de leite,
esquilos que levam bolotas ao peito
para as crias abrigadas em pinheiros,
e os pais morrerem de felicidade
pelo ciclo chegar ao princípio,
e escolherem por terem ficado neste sítio.

Não tenhas medo com os degraus que desdobram,
todos os sustos que tenhas passarão por mim,
entrelaçados de cantenárias,
fios que nos levam ao fim,
tudo vai parar nas montanhas,
onde tudo está plantado para ti,
todo o rumo lento em que nos deitámos,
serão segundos de encontro ao nosso ser fogaz,
e estruturaremos um amor traçado na realidade.

Não me perguntes porquê,
pensamos o mesmo ao mesmo tempo,
mas as dúvidas só o tempo as tirará,
e iremos ser dois leitos a unirem-se,
a formarem um rio tenaz,
onde todos os pássaros irão nos visitar,
e quererão procriar,
porque a bondade junta-se à nossa vontade,
e iremos explodir com a verdade do nosso lado.

Caminho das Águas - Rodrigo Maranhão

Leva no teu bumbar, me leva,
Leva que quero ver meu pai,
Caminho bordado a fé,
Caminho das águas,
Me leva que quero ver meu pai.

A barca segue seu rumo, lenta,
Como quem já não quer mais chegar,
Como quem se acostumou no canto das águas,
Como quem já não quer mais voltar.

Os olhos da morena bonita
Aguenta, que estou chegando já,
Na roda cantar com você,
Ouvir a zabumba,
Me leva que quero ver meu pai.

Thursday 2 July 2009

Excerto de um texto que estou a construir

Pessoa 1

Atravessava ruas largas, feitas de alcatrão escuro, sobre uma suave chuva num dia de Domingo. Apertei o casaco enquanto passeava fascinado a olhar para todos os edifícios. Nada fazia-me distrair do encatamento em que me encontrava. A minha cabeça tinha-se tornado num radar. Atravessava a rua frequentemente para avistar os prédios do lado oposto. Tinha que me afastar para eu puder contemplar tamanha grandeza.

Os edifícios com cerca de 6 andares de altura, datados da reconstrução após a II Guerra Mundial, conseguiam encantar-me e fazer-me esquecer toda a tristeza que deve ter existido durante essa época. O espírito da morte que rondou esta cidade e que desesperou muita gente, trazendo muitos corpos até si, estava agora disfarçado pelas várias fachadas ornamentadas por um riqueza e espírito delicado. Não sei se esse trauma passou para as gerações vindouras, mas espero bem que sim.

O sinal de peões fechou. Parei. Este sinal é bastante fora do comum para mim, contém o desenho de uma bicicleta e de um peão. Todos pararam, excepto os jovens, que com um desprendimento natural não perdem tempo a esperar e habituaram-se a quebrar as regras quando querem. A nova geração devia ter mais respeito pela história e compreenderem como vivem numa cidade bastante bonita e pacífica, cujo o novo produto foi feito à custa de enormes sacrifícios feitos por heróis.

A palavra herói cada vez mais tem menos poder nas sociedades modernas. Isto também é um sinal que os nossos antepassados fizeram um bom trabalho e tudo o que esta cidade é hoje, é graças a eles. A luta que sempre combateram sem medo, as conquistas que realizaram, o caminho do homem que percorreram termina neste lugar. Esta cidade é um bom exemplo.

Após este tempo todo, perdi a conta quantas vezes o sinal dos peões já deve ter aberto. Mas não faz mal, porque o verde aparece à minha frente outra vez.

À medida que ando, avisto uma ponte. Dirijo-me até lá. A chuva aumenta de intensidade, mas nada detém o meu espírito de descoberta.

A ponte, com uma largura de 4 faixas de rodagem, cobre um rio enraivecido. A chuva aumentou o caudal de forma incrível. A corrente conta uma história furiosa através do vento que sopra. A fonte de energia que de ali advém através de um ruído gutural é incrível. Isto é maravilhoso. Páro sobre a ponte para sentir toda a força da natureza. O espírito pesado que já venho trazendo ao longo de bastante tempo é levado pela corrente de repente. Em um segundo, visto um novo espírito, bastante mais colorido.

Desço a ponte, até um caminho que acompanha o rio e começo a andar sem destino. As flores densas, as árvores, toda a vegetação vibra por causa do rio. Esta força enorme, cobre os troncos das árvores. Só apenas ás árvores mais fortes conseguem aguentar tanta energia.

Colorido num verde militar, o rio ruge cada vez mais à medida que a chuva aumenta. Encontro-me encharcado, mas nada disto me interessa, porque nada me pode demover daqui. Muito raro será ás vezes que poderei ver tamanho espectáculo. Sinto-me realmente abençoado. Por isso, decidi sentar-me. Colocado a uma distância do caudal para não ser levado, contemplo-o. Nem me atrevo a pôr uma mão dentro de água, porque facilmente a corrente engolia-me.


Pessoa 2

Já perdi o conto dos anos em que saí de casa. Com uma mochila às costas, de barba feita e um par de ténis calçado parti sem rumo. Parti à procura de Deus. O tempo passou e todo o meu corpo mudou. O cabelo cresceu, desalinhou-se por causa dos meus cortes feitos com uma pedra afiada. A barba tornou-se pálida e agora, de uma forma forte, cai estaticamente pela minha cara. A roupa está cada vez mais amarela, rasgada pelo tempo, os pés cada vez mais de fora. A fita cola que pus para segurar a sola do sapato está gasta pelos meus passos.

Se acham que me sinto mais próximo Deus após estes anos, estão enganados. Cada vez mais sinto raiva por Deus ter-me abandonado. Cada dia que passa, engano-me para disfarçar este esforço sobre-humano que tenho estado a viver para sobreviver no frio, na chuva e nas ruas. Hoje é mais um dia de chuva.

Já me habituei a andar molhado. Uma coisa que pude ver pela minha própria pessoa, é que tudo neste mundo tem um truque. O tempo não é excepção. Já existiram dias em que a chuva de repente transforma-se num sol quente, secando-me num instante. A zona interior de Espanha tem um tempo muito inconstante. Recordo-me que um dia, caminhava pelos grandes campos de Espanha, com lama a cobrir-me o corpo todo - cara, mãos, pernas, quando numa reviravolta, um sol intenso soltou-se e instalou-se para o resto do dia. O meu corpo começou a secar, e a lama começou a secar e a estalar. Eu sentia-a a apertar-me cada vez mais. Fui raspando-a com a minha mão, mas ela estava entranhada no meu corpo. Quanto mais lama secava, mais a comichão instalava-se em mim. Irritava-me cada vez mais, coçava-me cada vez mais e mas não conseguia livrar-me. Parecia que estava a ser comido, tal como um cadáver em decomposição.

Por sorte, encontrei um pequeno lago no meio de um campo agrícola qualquer. Fui a correr até lá, pus-me nú e saltei lá para dentro. Como um animal contente, esfregava-me com violência e rapidez para soltar toda aquela excremência que se tinha colado a mim. Após estar completamente limpo, resolvi deitar-me sobre as ervas para secar-me, enquanto ia apreciando o céu que há duas horas atrás estava carregado de nuvens cinzentas, mas agora, um azul límpido inunda todo o horizonte. Após meia hora nú, achei melhor ir-me embora, pois podia aparecer o dono do terreno e tenho a certeza qe não ia gostar de me ver naquela figura. Provavelmente, traria uma espingarda consigo e não hesitaria e disparar contra mim. Vesti-me e continuei a minha caminhada por uma estrada local qualquer.

Wednesday 1 July 2009

Palavras no vento

Se os meus pensamentos chegassem até ti de forma suave,
ouvirias eternas palavras formadas a partir do mel,
de forma não intrusiva desejava-te um feliz aniversário,
exigia que todos os desejos do teu inventário,
fossem desejos a voarem por entre as estrelas.

Mas o respeito e compreensão faz-me manter no silêncio,
onde num esforço mais que sobre-humano procuro a lucidez,
e num trabalho de gigantes procuro manter-me atento,
onde por cada dia passado perco mais o teu contacto,
levanto a cabeça e anseio que me reconheças.

Se achas que é delírio o que me acontece,
vê se consegues dar a tua vida à pessoa que está à tua frente,
eu dava e sem nenhum arrependimento, nem que do meu fim soubesse,
porque é mais horrível suportar a tua ausência do que a minha morte,
mas olho para a lua e entrego-me à sorte.