Tuesday 23 June 2009

A noite

Alma mater, o dia está a fechar. As pessoas estão a chegar a casa. As pessoas mergulham nos corredores. As luzes acendem-se. As pedras gelam-se. A noite põe-se.

Viviane sai para a rua. O dia está a começar. Como trabalho, ela apenas tem que esperar que as almas perversas e deturpadas venham ter com ela pelo prazer da desgraça. Ela acumula a obscuridade de todos os demónios escondidos que vão fermentando com o tempo, tornando-se em lágrimas.

A insensibilidade que o corpo ganhou devido à calosidade criada pela brutidão dos homens, há muito tempo foi adquirida e agora Viviane deixou de ter arrepios. Ela é mais um depósito da desgraça e todos descarregam e carregam nela. A carga é enorme, cheia de teias, velha, sinistra, tudo em cima dela.

As linhas fisionómicas da sua fronte mostram que ainda é muito jovem, quase a roçar a maior idade, que faz de todos os homens que abordam-a pederastas involuntários. A juventude de Viviane ainda lhe dá força para ignorar a desgraça em que já vive e dá-lhe tempo para sonhar com a felicidade eterna. Mas a idade há-de passar e Viviane vai ficar sempre no mesmo sítio, sobre as mesmas pedras e depois perceberá que é mais uma pessoa que está à espera que o tempo passe.

Está na hora. As árvores de rapina estão a chegar. Vindo do trabalho, preferem descarregar a frustação das suas vidas antes de entrarem em casa. De olhos luminosos, um atrás do outro, um abutre soturno atira-lhe umas palavras maldosas sobre dinheiro. Viviane, levado pelo facto de nunca ter compreendido a sua vida, aceita e entra no carro. Ambos desaparecem.

O carro, de luzes acessas, gastas pelo tempo, ilumina mal o empedrado da estrada de acesso. Chegado à grande artéria principal, andam uns quilómetros, até que viram à direita por uma ruela da arcada. Entram num novo bairro.

O bairro construido sobre um monte de terra inóspito, é preenchido totalmente por casas sociais. Quem entra no bairro tem vontade em fugir. A miséria e a loucura preenche todas as noites. Mas hoje, não existe lua, a noite está cada vez mais escura e sombria. O carro decide virar à direita para um beco escuro. Para onde foram eles? Perdi-os. Viviane nunca mais aparece.

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